quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Curandeiros e Feiticeiros (ultima parte e Boas Festas)

– Nada. Nada mesmo...ninguém viu nada. Foi só aquela coisa que deu de repente – explicou.
Depois levaram o Tchyovo para casa, e ficou deitado três dias sem se conseguir mexer. A família estava apavorada porque ele não reagia ao tratamento que o médico do hospital tinha receitado. Até que resolveram levá-lo a um curandeiro – casos desta gravidade e estranheza, os médicos não estudavam na universidade – concluíram lá em casa.
– Qual quê? mas qual quê? Nem sei como vocês acreditam nessas histórias…nessa porcaria! – exclamava o chefe com ar de zombaria e enxovalho.
– Foi verdade! Eu juro! – exclamava o Tchyovo esforçando-se para convencer os presentes – eu estava mesmo a passar mal e alguém fez um feitiço pra mim!
– Você é que é supersticioso, e acredita em tudo dessas coisas – insistia o chefe mantendo o seu cepticismo.
Ninguém se atreveu a contrariar o chefe. Ficaram por uns instantes em silêncio. Só o Jamba permanecia ainda sentado, parecendo recuperar lentamente as forças, depois do esforço dispendido anteriormente com a descrição do que lhe tinha acontecido.
Mas o Tchyovo afinal ainda não tinha acabado:
– Mas o pior foi o que aconteceu depois – insistiu.
– Ainda tem pior? – interrogou o chefe em timbre esganiçado, olhando para o relógio, e deixando transparecer alguma indignação.
Os outros recuperaram a posição de relaxe para melhor poderem desfrutar da história que se seguiria. Ninguém deu atenção a um pequeno cachorro que passeava entre as pernas dos presentes, passando de um para outro nas esperança que alguém lhe fizesse um afago ou lhe ofertasse um pequeno mimo.
O chefe permanecia sentado à secretária todo recostado na enorme cadeira, enquanto do outro lado só o Jamba estava sentado. O Moisés e outros dois, o Tchyovo e o Gunga, mantinham-se em pé rodeando o colega.
– Tem muito pior – acrescentou.
E continuou a narração. Então o Tchyovo continuava a passar mal, cada vez mais incomodado. O curandeiro nada fazia com que ele melhorasse. A situação agravou-se quando na barriga do Tchyovo se abriu uma ferida e começou a sair um liquido espesso e fedorento. Voltava ao curandeiro. Ele metia ervas e medicamento na ferida, e parecia melhorar. Mas logo no dia a seguir aparecia o liquido, e aumentava o estado de debilidade do Tchyovo.
Resolveram levá-lo de novo ao hospital, desta vez na capital provincial. Tiraram um raio xis, e ninguém queria acreditar no que estava na chapa.
– Afinal que bicho tinhas tu na barriga? – questionou o chefe elevando a voz.
– Você não vai acreditar, chefe…eheh…não vai acreditar mesmo – alegava o Tchyovo com um sorriso tímido, antecipando a incredulidade do superior hierárquico.
– Já agora acaba lá isso! – ordenou o chefe mantendo o tom.
– O que estava mesmo dentro da minha barriga…era um cadeado!
– Ué? – balbuciou o Jamba.
– Tchiii!! – exclamaram os outros em simultâneo com um ar aturdido.
– Um cadeado? – esganiçou o dirigente.
Fez-se um momento de silêncio. O Tchyovo levantou a camiseta deixando à mostra a cicatriz de uma costura vem vincada, ali mesmo por debaixo das costelas e disse:
– Juro pelas minhas filhas – pactuou uns instantes com o silêncio e depois acrescentou – eu mesmo vi no raio xis, veio todo o mundo lá do hospital pra ver. Era um cadeado mesmo e tinha um fio atado. Nesse fio tinha sete nós. Via-se tudo na chapa.
Voltou o silêncio. Todos os presentes sabiam que o Tchyovo não fazia juras gratuitas, muito menos quando invocava as suas filhas.
Numa pose grave e de profundo conhecimento das técnicas hospitalares de diagnóstico, foi o Moisés a desanuviar o ambiente, observando:
– Olha… Raio xis só não apanha os cornos que homem leva na testa.
Todos riram a bom rir, aliviando assim a carga dramática do acontecido ao Tchyovo.
Começaram a deslocar-se para a porta, o chefe na frente, os outros logo a seguir, e no fim vinha o Jamba acompanhado pelo cachorro. Pararam por uns instantes debaixo do telheiro que dava sombra à entrada. O cão foi sentar-se aos pés do chefe na esperança que algum afago o contemplasse.
Parecia que a história estaria completa, mas não:
- Mas foi feitiço meesmo! …alguém me quis lixaaar! – exclamou o Tchyovo reforçando a tónica.
– Como é que tu sabes isso? – perguntou o chefe, intrigado.
Mas ele explicou:
– Olha…fiquei cinco meses sem trabalhar. Nesse tempo a minha caixa de ferramenta ficou sempre fechada e bem fechada. Depois fui trabalhar no Bié. Assim que abri a mala da ferramenta…tava lá dentro o cadeado…juro, o mesmo cadeado…com o fio atado e os sete nós no fio! Era o mesmo cadeado que tiraram de mim! Mesmo….juro!
Os olhares de todos os presentes voltaram a cruzar-se deixando transparecer uma mistura de incredibilidade, de mística e dor. Ainda abalados mantiveram-se uns segundos em silêncio, posteriormente cortado, por quem seria de esperar:
– Porra…mesmo assim eu não acredito nisso! – concluiu o chefe.
Ninguém acrescentou fosse o que fosse.
Ao longe ouvia-se o ruído dos motores de um avião que se aproximava do aeroporto situado ali perto. Cada vez mais intenso, acabou por surgir por detrás do edifício um enorme 747 a baixíssima altitude. Nesse momento, o cão ergueu-se sobre as patas dianteiras, e elevando o focinho, uivou ferozmente na direcção do avião, mais parecendo um lobo. Logo em seguida e sempre a ladrar, desatou a correr desenfreadamente atrás da sombra que a enorme aeronave projectava no solo; correu…correu…parando somente quando embateu violentamente no muro que delimitava a propriedade.
Os cinco homens ficaram a olhar embasbacados para o animal, que mesmo assim voltava a uivar com mais intensidade.
- Vocês acham que este cão é normal?…já se viu em algum lado um cão que uiva para avião como se fosse um lobo, e depois corre atrás da sombra dele? – questionou o Tchyovo.
– Vais dizer que o cão também tem feitiço? É? – interrogou o chefe, com um misto de ironia e suspeição.
– Hum…este cão não é normal! Vocês não acreditam, né? Mas essas coisas existem! Existem mesmo…


FIM

Texto original
Autor: João Carvalho

2 comentários:

Anónimo disse...

E continua a saga "caes com sorte" ehehe..
Com desejos de feliz ano 20009 ,repleto de realizações pessoais e profissionais;)

Anónimo disse...

Os meus parabéns... estou embasbacado... sempre é verdade que as pessoas podem ter faces ocultas como a Lua e ficarmos surpreendidos quando a vemos:) um abraço de admiração do carlos araújo