– Nada. Nada mesmo...ninguém viu nada. Foi só aquela coisa que deu de repente – explicou.
Depois levaram o Tchyovo para casa, e ficou deitado três dias sem se conseguir mexer. A família estava apavorada porque ele não reagia ao tratamento que o médico do hospital tinha receitado. Até que resolveram levá-lo a um curandeiro – casos desta gravidade e estranheza, os médicos não estudavam na universidade – concluíram lá em casa.
– Qual quê? mas qual quê? Nem sei como vocês acreditam nessas histórias…nessa porcaria! – exclamava o chefe com ar de zombaria e enxovalho.
– Foi verdade! Eu juro! – exclamava o Tchyovo esforçando-se para convencer os presentes – eu estava mesmo a passar mal e alguém fez um feitiço pra mim!
– Você é que é supersticioso, e acredita em tudo dessas coisas – insistia o chefe mantendo o seu cepticismo.
Ninguém se atreveu a contrariar o chefe. Ficaram por uns instantes em silêncio. Só o Jamba permanecia ainda sentado, parecendo recuperar lentamente as forças, depois do esforço dispendido anteriormente com a descrição do que lhe tinha acontecido.
Mas o Tchyovo afinal ainda não tinha acabado:
– Mas o pior foi o que aconteceu depois – insistiu.
– Ainda tem pior? – interrogou o chefe em timbre esganiçado, olhando para o relógio, e deixando transparecer alguma indignação.
Os outros recuperaram a posição de relaxe para melhor poderem desfrutar da história que se seguiria. Ninguém deu atenção a um pequeno cachorro que passeava entre as pernas dos presentes, passando de um para outro nas esperança que alguém lhe fizesse um afago ou lhe ofertasse um pequeno mimo.
O chefe permanecia sentado à secretária todo recostado na enorme cadeira, enquanto do outro lado só o Jamba estava sentado. O Moisés e outros dois, o Tchyovo e o Gunga, mantinham-se em pé rodeando o colega.
– Tem muito pior – acrescentou.
E continuou a narração. Então o Tchyovo continuava a passar mal, cada vez mais incomodado. O curandeiro nada fazia com que ele melhorasse. A situação agravou-se quando na barriga do Tchyovo se abriu uma ferida e começou a sair um liquido espesso e fedorento. Voltava ao curandeiro. Ele metia ervas e medicamento na ferida, e parecia melhorar. Mas logo no dia a seguir aparecia o liquido, e aumentava o estado de debilidade do Tchyovo.
Resolveram levá-lo de novo ao hospital, desta vez na capital provincial. Tiraram um raio xis, e ninguém queria acreditar no que estava na chapa.
– Afinal que bicho tinhas tu na barriga? – questionou o chefe elevando a voz.
– Você não vai acreditar, chefe…eheh…não vai acreditar mesmo – alegava o Tchyovo com um sorriso tímido, antecipando a incredulidade do superior hierárquico.
– Já agora acaba lá isso! – ordenou o chefe mantendo o tom.
– O que estava mesmo dentro da minha barriga…era um cadeado!
– Ué? – balbuciou o Jamba.
– Tchiii!! – exclamaram os outros em simultâneo com um ar aturdido.
– Um cadeado? – esganiçou o dirigente.
Fez-se um momento de silêncio. O Tchyovo levantou a camiseta deixando à mostra a cicatriz de uma costura vem vincada, ali mesmo por debaixo das costelas e disse:
– Juro pelas minhas filhas – pactuou uns instantes com o silêncio e depois acrescentou – eu mesmo vi no raio xis, veio todo o mundo lá do hospital pra ver. Era um cadeado mesmo e tinha um fio atado. Nesse fio tinha sete nós. Via-se tudo na chapa.
Voltou o silêncio. Todos os presentes sabiam que o Tchyovo não fazia juras gratuitas, muito menos quando invocava as suas filhas.
Numa pose grave e de profundo conhecimento das técnicas hospitalares de diagnóstico, foi o Moisés a desanuviar o ambiente, observando:
– Olha… Raio xis só não apanha os cornos que homem leva na testa.
Todos riram a bom rir, aliviando assim a carga dramática do acontecido ao Tchyovo.
Começaram a deslocar-se para a porta, o chefe na frente, os outros logo a seguir, e no fim vinha o Jamba acompanhado pelo cachorro. Pararam por uns instantes debaixo do telheiro que dava sombra à entrada. O cão foi sentar-se aos pés do chefe na esperança que algum afago o contemplasse.
Parecia que a história estaria completa, mas não:
- Mas foi feitiço meesmo! …alguém me quis lixaaar! – exclamou o Tchyovo reforçando a tónica.
– Como é que tu sabes isso? – perguntou o chefe, intrigado.
Mas ele explicou:
– Olha…fiquei cinco meses sem trabalhar. Nesse tempo a minha caixa de ferramenta ficou sempre fechada e bem fechada. Depois fui trabalhar no Bié. Assim que abri a mala da ferramenta…tava lá dentro o cadeado…juro, o mesmo cadeado…com o fio atado e os sete nós no fio! Era o mesmo cadeado que tiraram de mim! Mesmo….juro!
Os olhares de todos os presentes voltaram a cruzar-se deixando transparecer uma mistura de incredibilidade, de mística e dor. Ainda abalados mantiveram-se uns segundos em silêncio, posteriormente cortado, por quem seria de esperar:
– Porra…mesmo assim eu não acredito nisso! – concluiu o chefe.
Ninguém acrescentou fosse o que fosse.
Ao longe ouvia-se o ruído dos motores de um avião que se aproximava do aeroporto situado ali perto. Cada vez mais intenso, acabou por surgir por detrás do edifício um enorme 747 a baixíssima altitude. Nesse momento, o cão ergueu-se sobre as patas dianteiras, e elevando o focinho, uivou ferozmente na direcção do avião, mais parecendo um lobo. Logo em seguida e sempre a ladrar, desatou a correr desenfreadamente atrás da sombra que a enorme aeronave projectava no solo; correu…correu…parando somente quando embateu violentamente no muro que delimitava a propriedade.
Os cinco homens ficaram a olhar embasbacados para o animal, que mesmo assim voltava a uivar com mais intensidade.
- Vocês acham que este cão é normal?…já se viu em algum lado um cão que uiva para avião como se fosse um lobo, e depois corre atrás da sombra dele? – questionou o Tchyovo.
– Vais dizer que o cão também tem feitiço? É? – interrogou o chefe, com um misto de ironia e suspeição.
– Hum…este cão não é normal! Vocês não acreditam, né? Mas essas coisas existem! Existem mesmo…
FIM
Texto original
Autor: João Carvalho
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
Do Toyota do Moisés....à pancada do Tchyovo...(e continua)
– Vens-me tu dizer agora que esse Toyota também tinha feitiço? – zombou o chefe, rindo com satisfação.
– Espera…deixa eu contar.
E contou. Tinha deixado o carro na oficina a reparar. No dia combinado, foi buscá-lo, e quando se preparava para sair, deu por falta do auto-rádio. Chamou o dono da oficina – um “pula” bem cota já todo cacimbado – e explicou que o rádio tinha sumido, alguém o teria tirado do sítio ou até mesmo roubado. O “pula” desconfiou logo que a segunda hipótese era a mais plausível e habitual. Perguntou se ele ia precisar já do carro ou se poderia lá deixá-lo mais uns dias, e garantiu que o rádio ia voltar.
– Que vais fazer para o rádio aparecer – perguntou o Moisés ao homem da oficina.
– Vou fazer um bruxedo…vai aparecer…juro! – garantiu.
– Bruxedo quê? Feitiço? – perguntou Moisés com ar de intrigado.
– Sim…fica quieto! – ordenou o “pula”.
O dono da oficina fixou o olhar num monte de lixo que estava lá num canto e gritou para um dos empregados:
– Oh pá…vai ali procurar um bocado de espelho daquele retrovisor partido e trás aqui!
Pegou numa tira de trapo velho, embrulhou nele qualquer coisa que Moisés não conseguiu identificar e depois apertou a tira no meio do bocado do espelho e atou tudo na antena do Toyota. Com um ar antecipadamente triunfante e de desafio, exclamou:
– Estes gajos pensam que isto é um churrasco ou quê?! Vais ver se esse rádio vai aparecer ou não?!
E assim, lá ficou o bocado do espelho atado na antena desde o sábado até a oficina abrir na segunda-feira de manhã. Quando Moisés foi buscar o carro na segunda ao fim do dia, o rádio estava no sítio dele.
– Eu não falei que ia aparecer? Apareceu ou não? – interrogava orgulhosamente o dono da oficina.
Todos os colegas que escutaram esta história esboçaram um riso tímido, dando mais a entender que o ladrão podia ser até o patrão da oficina. Para Moisés isso era impossível. Nem pensar, um homem com posição não se sujava por causa de um rádio de carro.
– Mas o rádio apareceu mesmo, e ponto final – concluía Moisés, exaltando o resultado final.
– Essa história…eu não papo mesmo! – exclamou o chefe, rindo com o maior ar de zombaria, e acrescentou – essa ainda é pior do que aquela coisa que contam do jacaré do Bengo…o jacaré mangão. Agora…até um “pula” já faz feitiço?!
A história do Moisés não tinha sido muito convincente, mas mais estava para vir. E foi logo a seguir:
– Isso não é nada, comparado o que aconteceu comigo, aqui há uns quatro anos – interrompeu o Tchyovo.
– Quê? Também tinhas um Toyota lá nessa oficina? – ironizou o chefe, soltando outra gargalhada de desdém.
Riram todos. Mas o Tchyovo não se deixou abalar e prosseguiu:
– Que nada! Deixa que eu vou contar! – exclamou.
Então, estava ele a trabalhar numa obra grande, quando um dia, por voltas das catorze horas, apertava uma viga no alto de uma torre e sentiu uma forte pancada na cara por cima da boca, no lado esquerdo, mesmo ao lado do nariz, como se tivesse sido socado por um punho de ferro.
Ficou zonzo. Os ouvidos a zunir…ziiiiinnn….ziiiiiinnn.
Quem estava na sala a escutar esta história, começou a prestar mais alguma atenção, tendo em conta a autenticidade colocada pelo Tchyovo na sua descrição.
E continuou. Desceu da torre, e assim que chegou ao chão, caiu logo inanimado, desmaiado. Transportaram-no para o hospital, e mesmo lá, nem médicos nem enfermeiros conseguiram reanimá-lo. Ficou assim até às dezanove horas.
Acabou por recuperar sozinho, quando estava deitado no chão, completamente abandonado e a tremer de frio. Nem uma pessoa estava à sua volta. Toda a gente tinha saído para jantar.
Tinha uma grande dor de cabeça e aquele zunido não o deixava em paz. Um dos colegas, interrompendo, perguntou:
– Mas afinal o que foi que te bateu na cara?
Texto original
Autor: João Carvalho
– Espera…deixa eu contar.
E contou. Tinha deixado o carro na oficina a reparar. No dia combinado, foi buscá-lo, e quando se preparava para sair, deu por falta do auto-rádio. Chamou o dono da oficina – um “pula” bem cota já todo cacimbado – e explicou que o rádio tinha sumido, alguém o teria tirado do sítio ou até mesmo roubado. O “pula” desconfiou logo que a segunda hipótese era a mais plausível e habitual. Perguntou se ele ia precisar já do carro ou se poderia lá deixá-lo mais uns dias, e garantiu que o rádio ia voltar.
– Que vais fazer para o rádio aparecer – perguntou o Moisés ao homem da oficina.
– Vou fazer um bruxedo…vai aparecer…juro! – garantiu.
– Bruxedo quê? Feitiço? – perguntou Moisés com ar de intrigado.
– Sim…fica quieto! – ordenou o “pula”.
O dono da oficina fixou o olhar num monte de lixo que estava lá num canto e gritou para um dos empregados:
– Oh pá…vai ali procurar um bocado de espelho daquele retrovisor partido e trás aqui!
Pegou numa tira de trapo velho, embrulhou nele qualquer coisa que Moisés não conseguiu identificar e depois apertou a tira no meio do bocado do espelho e atou tudo na antena do Toyota. Com um ar antecipadamente triunfante e de desafio, exclamou:
– Estes gajos pensam que isto é um churrasco ou quê?! Vais ver se esse rádio vai aparecer ou não?!
E assim, lá ficou o bocado do espelho atado na antena desde o sábado até a oficina abrir na segunda-feira de manhã. Quando Moisés foi buscar o carro na segunda ao fim do dia, o rádio estava no sítio dele.
– Eu não falei que ia aparecer? Apareceu ou não? – interrogava orgulhosamente o dono da oficina.
Todos os colegas que escutaram esta história esboçaram um riso tímido, dando mais a entender que o ladrão podia ser até o patrão da oficina. Para Moisés isso era impossível. Nem pensar, um homem com posição não se sujava por causa de um rádio de carro.
– Mas o rádio apareceu mesmo, e ponto final – concluía Moisés, exaltando o resultado final.
– Essa história…eu não papo mesmo! – exclamou o chefe, rindo com o maior ar de zombaria, e acrescentou – essa ainda é pior do que aquela coisa que contam do jacaré do Bengo…o jacaré mangão. Agora…até um “pula” já faz feitiço?!
A história do Moisés não tinha sido muito convincente, mas mais estava para vir. E foi logo a seguir:
– Isso não é nada, comparado o que aconteceu comigo, aqui há uns quatro anos – interrompeu o Tchyovo.
– Quê? Também tinhas um Toyota lá nessa oficina? – ironizou o chefe, soltando outra gargalhada de desdém.
Riram todos. Mas o Tchyovo não se deixou abalar e prosseguiu:
– Que nada! Deixa que eu vou contar! – exclamou.
Então, estava ele a trabalhar numa obra grande, quando um dia, por voltas das catorze horas, apertava uma viga no alto de uma torre e sentiu uma forte pancada na cara por cima da boca, no lado esquerdo, mesmo ao lado do nariz, como se tivesse sido socado por um punho de ferro.
Ficou zonzo. Os ouvidos a zunir…ziiiiinnn….ziiiiiinnn.
Quem estava na sala a escutar esta história, começou a prestar mais alguma atenção, tendo em conta a autenticidade colocada pelo Tchyovo na sua descrição.
E continuou. Desceu da torre, e assim que chegou ao chão, caiu logo inanimado, desmaiado. Transportaram-no para o hospital, e mesmo lá, nem médicos nem enfermeiros conseguiram reanimá-lo. Ficou assim até às dezanove horas.
Acabou por recuperar sozinho, quando estava deitado no chão, completamente abandonado e a tremer de frio. Nem uma pessoa estava à sua volta. Toda a gente tinha saído para jantar.
Tinha uma grande dor de cabeça e aquele zunido não o deixava em paz. Um dos colegas, interrompendo, perguntou:
– Mas afinal o que foi que te bateu na cara?
Texto original
Autor: João Carvalho
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Uma sugestão para este Natal (encomendar antes que esgote)
A vertigem dos dias como estratégia de vida (vazia)
Há cães com sorte! é um romance
lúcido perpassado por temas
tão actuais e controversos
como a natureza dos relacionamentos, o
amor, o sexo, a vida em família, o
snobismo.
Uma história de corrupção, amor e
poder, onde não há bons nem maus,
vencedores ou vencidos. É o mundo do
século XXI em todo o seu
esplendor. Uma grande metáfora sobre
a vida portuguesa contemporânea.
HÁ CÃES COM SORTE! é um exercício divertido sobre a sorte de
alguns e o azar de muitos que, inebriados pelo poderio económico, não se
apercebem do vazio afectivo que atravessa as suas vidas.
Como se sabe «cão que ladra não morde», e assim se prova que não é o que
mais alto ladra que é o mais perigoso, mas,
sim, é o que mais baixo voa que melhor se
safa…como o crocodilo, que nunca levou
vida de cão.
É que a vida tece teias que a grande Teia
desconhece.
Ah, já nos esquecíamos… nesta história
não entram cães de quatro patas.
Título: Há cães com sorte!
Autor: João Carvalho
PVP: 15 euros
Ano de publicação: 2007
Formato: 14,5x20,5 cm
Acabamento: brochado com badanas
Disponibilidade: disponível
N.º de páginas: 160
ISBN: 978-989-614-075-5
Classificação: ficção
Encomendas a: www.pedepagina.pt
O gosto pela partilha
lúcido perpassado por temas
tão actuais e controversos
como a natureza dos relacionamentos, o
amor, o sexo, a vida em família, o
snobismo.
Uma história de corrupção, amor e
poder, onde não há bons nem maus,
vencedores ou vencidos. É o mundo do
século XXI em todo o seu
esplendor. Uma grande metáfora sobre
a vida portuguesa contemporânea.
HÁ CÃES COM SORTE! é um exercício divertido sobre a sorte de
alguns e o azar de muitos que, inebriados pelo poderio económico, não se
apercebem do vazio afectivo que atravessa as suas vidas.
Como se sabe «cão que ladra não morde», e assim se prova que não é o que
mais alto ladra que é o mais perigoso, mas,
sim, é o que mais baixo voa que melhor se
safa…como o crocodilo, que nunca levou
vida de cão.
É que a vida tece teias que a grande Teia
desconhece.
Ah, já nos esquecíamos… nesta história
não entram cães de quatro patas.
Título: Há cães com sorte!
Autor: João Carvalho
PVP: 15 euros
Ano de publicação: 2007
Formato: 14,5x20,5 cm
Acabamento: brochado com badanas
Disponibilidade: disponível
N.º de páginas: 160
ISBN: 978-989-614-075-5
Classificação: ficção
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